(Anedotas com um algo a mais.)
A vontade de Allah
"Que seja feita a vontade de Allah", comentou um homem religioso no meio de uma conversa.
"Ela sempre se faz, qualquer que seja a situação", disse Nasrudin.
"Como pode prová-lo?"
"Muito simples. Se a vontade de Allah não se fizesse sempre, seguramente, vez por outra a minha se faria, não acha?"
Advertência
Nasrudin chegou ao País dos Idiotas.
"Prestem atenção todos", anunciou, "o pecado e a maldade são detestáveis."
Daí em diante, por algumas semanas, repetia-o diariamente.
Um dia, quando estava prestes a repetir o aviso de sempre, viu que um grupo de "idiotenses" permanecia de braços cruzados.
"O que estão fazendo?"
Acabamos de decidir o que fazer com todo o pecado e toda a maldade sobre os quais você nos tem falado este tempo todo."
"Então decidiram afastar-se deles?"
"Não, decidimos afastar-nos de você."
O perigo não tem favoritos
Uma senhora levou seu filho pequeno à escola de Nasrudin.
"Ele é muito, muitíssimo mal educado", explicou-lhe a senhora, "e gostaria que o senhor desse um susto no garoto."
O Mullá assumiu uma postura ameaçadora, com um olhar flamejante e um rosto assustador. Deu vários pulos para cima e para baixo e, repentinamente, saiu correndo.
A senhora desmaiou. Quando se recobrou, esperou pelo Mullá que retornava grave e lentamente.
"Eu lhe pedi para assustar o garoto, não a mim!"
"Prezada senhora", disse o Mullá, "viu como eu mesmo me assustei comigo? Quando o perigo ameaça, ameaça a todos por igual."
Na corte
Certo dia, Nasrudin compareceu à Corte ostentando um magnífico turbante. Sabia que o rei ia admirá-lo e que portanto, poderia vender-lhe o tal turbante.
"Nasrudin, quanto você pagou por esta maravilha?, perguntou o rei.
"Mil moedas de ouro, Magestade."
Percebendo a tramóia, o vizir cochichou ao rei: "Só um idiota pagaria tanto por um turbante."
Disse o rei: "Afinal, por que pagou essa fortuna? Nunca ouvi falar de um turbante que custasse mil moedas de ouro."
"Ah, Magestade, paguei esta fortuna porque sabia que em todo o mundo, só um único rei compraria esse tipo de coisa."
Encantado com o elogio, o rei ordenou que dessem a Nasrudin duas mil moedas de ouro e ficou com o turbante.
Mais tarde, Nasrudin disse ao vizir: "Você pode muito bem conhecer o valor de um turbante, mas sou eu quem conhece as fraquezas dos reis."
Percebe o que quero dizer?
Nasrudin esparramava punhados de migalhas em volta de sua casa.
"O que você esta fazendo?", alguém perguntou.
"afugentando os tigres."
"Mas por aqui não há tigres!"
"Viu só como funciona?!"
Adivinha?
Um gaiato encontrou Nasrudin. Levava um ovo no bolso:"Diga-me. Mullá, você leva jeito para brincadeiras de adivinhação?"
"Algum", disse Nasrudin.
"Muito bem. Então me diga o que tenho no bolso."
"Dê ao menos uma pista."
"Tem a forma de um ovo, é amarelo e branco por dentro e parece um ovo."
"Algum tipo de bolo", disse Nasrudin.
Oferta e procura
Sua Magestade Imperial, o Shaninshah, chegou de surpresa a uma casa de chá entregue aos cuidados de Nasrudin.
O Imperador pediu uma omelete.
"Agora partimos de volta à caçada", disse ao Mullá. "Diga-me quanto lhe devo."
"Senhor, para Sua Magestade e seus cinco companheiros, as omeletes saem por mil moedas de ouro."
O Imperador franziu as sobrancelhas.
"Vejo que por aqui os ovos andam muito caros. Será que são assim tão escassos?"
"Aqui não são propriamente os ovos que andam escassos, Magestade - são as visitas de reis."
Há mais luz por aqui.
Alguem viu Nasrudin procurando alguma coisa no chão.
"O que é que você perdeu, Mullá?", perguntou-lhe.
"Minha chave", respondeu o Mullá.
Então os dois se ajoelharam para procurá-la. Um pouco depois o sujeito perguntou:
"Onde foi exatamente que você perdeu essa chave?"
"Na minha casa."
"Então por que você está procurando por aqui?"
"Poque aqui tem mais luz."
Sal não é lã.
Certo dia, o Mullá levava ao mercado um burro carregado de sal e teve de atravessá-lo por um rio. O sal dissolveu-se. O Mullá ficou furioso pela perda da carga, enquanto o asno ficou contente pelo alívio.
Na próxima vez em que passou por aquele caminho, levava uma carga de lã. Depois que o animal atravessou o rio, a lã ficou completamente ensopada e muito pesada. O animal cambaleou sob a carga encharcada.
"Ah!", bradou o Mullá, "pensou que você sairia mais leve toda vez que atravessasse a água, não foi?"
Allah suprirá.
"Allah suprirá", dizia Nasrudin certo dia a um homem, que se queixava por alguém lhe ter roubado um dinheiro guardado em sua casa.
O homem expressou suas dúvidas.
Nasrudin levou-o à mesquita e rolou pelo chão, invocando Allah para que restituísse as vinte moedas de prata do homem. Incomodada com aquela presença, a congregação angariou donativos e o total foi entregue ao surpreso homem.
"Você pode não compreender os meios que operam neste mundo", disse o Mullá, "mas seguramente compreende o fim quando este lhe é entregue de forma tão concreta."
Não é assim tão louco.
Nasrudin levou seu trigo ao moinho. Enquanto esperava sua vez de moê-lo, foi pegando punhados de trigo dos sacos dos outros e colocando-os no seu próprio saco. Ao percebê-lo, o moleiro perguntou:
"Escuta aqui, o que está fazendo?
" Nasrudin respondeu com indiferença: "É que eu sou louco. Faço o que me vem à cabeça."
"Se é assim, por que não pega o trigo que é seu e o distribui pelos sacos dos outros?"
"Meu caro", respondeu Nasrudin, "sou um louco comum. Se eu fizesse isso que você propõe, aí eu já seria um doido varrido."
Sozinho no deserto.
Nasrrudin vagava por uma trilha do deserto quando cruzou com três árabes ferozes. Eles estavam discutindo.
"Existem três possibilidades para explicar o surgimento dos minaretes", disseram. "Acabamos de ouvi-las e estamos imaginando qual seria a correta.
"Nasrudin não se sentia seguro. "Façam um relato de suas teorias, e eu julgarei o caso", disse.
"Caíram do céu", disse o primeiro.
"Foram construídos num poço e depois içados", disse o segundo.
"Cresceram como os cactos", disse o terceiro.
Cada um deles puxou uma faca para reforçar a sua versão.
Nasrudin pronunciou-se: "Estão todos errados. Foram construídos por gigantes de tempos antigos, muito mais altos que nós."
O sermão de Nasrudin.
Certo dia, os moradores do vilarejo quiseram pregar uma peça em Nasrudin. Já que era considerado uma espécie meio indefinível de homem santo, pediram-lhe para fazer um sermão na mesquita. Ele concordou. Chegado o tal dia, Nasrudin subiu ao púlpito e falou:
"Ó fiéis! Sabem o que vou lhes dizer?"
"Não, não sabemos", responderam em uníssono.
"Enquanto não saibam, não poderei falar nada. Gente muito ignorante, isso é o que vocês são. Assim não dá para começarmos o que quer que seja", disse o Mullá, profundamente indignado por aquele povo ignorante fazê-lo perder seu tempo. Desceu do púlpito e foi para casa.
Um tanto vexados, seguiram em comissão para, mais uma vez, pedir a Nasrudin fazer um sermão na sexta feira seguinte, dia de oração.
Nasrudin começou a pregação com a mesma pergunta de antes.
Desta vez, a congregação respondeu numa única voz: "Sim, sabemos."
"Neste caso", disse o Mullá, "não há porque prendê-los aqui por mais tempo. Podem ir embora." E voltou para casa.
Por fim, conseguiram persuadi-lo a realizar o sermão de sexta feira seguinte, que começou com a mesma pergunta de antes.
"Sabem ou não sabem?"
A congregação estava preparada.
"Alguns sabem, outros não."
"Excelente", disse Nasrudin, "então, aqueles que sabem transmitam seus conhecimentos àqueles que não sabem." E foi para casa.
Extraidas do livro "Histórias de Nasrudin." Edições Dervish.Brasil.1994. (Literatura turca.)
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