segunda-feira, 27 de junho de 2011

Os Ombros Suportam o Mundo..


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e

ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem

todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drumond de Andrade


O sonho (Clarice Lispector)


Sonhe com aquilo que você quer ser,

porque você possui apenas uma vida

e nela só se tem uma chance

de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.

Dificuldades para fazê-la forte.

Tristeza para fazê-la humana.

E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades

que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.

Para aqueles que se machucam

Para aqueles que buscam e tentam sempre.

E para aqueles que reconhecem

a importância das pessoas que passaram por suas vidas.



Clarice Lispector ...

Rifa-se um coração

Rifa-se um coração quase novo.

Um coração idealista.

Um coração como poucos.

Um coração à moda antiga.

Um coração moleque que insiste

em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade está um

pouco usado, meio calejado, muito machucado

e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões.

Um pouco inconseqüente que nunca desiste

de acreditar nas pessoas.

Um leviano e precipitado coração

que acha que Tim Maia

estava certo quando escreveu...

"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero,

é isso que eu espero...".

Um idealista...Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende.

Que não endurece, e mantém sempre viva a

esperança de ser feliz, sendo simples e natural.

Um coração insensato que comanda o racional

sendo louco o suficiente para se apaixonar.

Um furioso suicida que vive procurando

relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer

sempre os mesmos erros.

Esse coração que erra, briga, se expõe.

Perde o juízo por completo em nome

de causas e paixões.

Sai do sério e, às vezes revê suas posições

arrependido de palavras e gestos.

Este coração tantas vezes incompreendido.

Tantas vezes provocado.

Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional

que abre sorrisos tão largos que quase dá

pra engolir as orelhas, mas que

também arranca lágrimas

e faz murchar o rosto.

Um coração para ser alugado,

ou mesmo utilizado

por quem gosta de emoções fortes.

Um órgão abestado indicado apenas para

quem quer viver intensamente

contra indicado para os que apenas pretendem

passar pela vida matando o tempo,

defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente

que se mostra sem armaduras

e deixa louco o seu usuário.

Um coração que quando parar de bater

ouvirá o seu usuário dizer

para São Pedro na hora da prestação de contas:

"O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo,

só errei quando coloquei sentimento.

Só fiz bobagens e me dei mal

quando ouvi este louco coração de criança

que insiste em não endurecer e,

se recusa a envelhecer"

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por

outro que tenha um pouco mais de juízo.

Um órgão mais fiel ao seu usuário.

Um amigo do peito que não maltrate

tanto o ser que o abriga.

Um coração que não seja tão inconseqüente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,

mas que incomoda um bocado.

Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda

não foi adotado, provavelmente, por se recusar

a cultivar ares selvagens ou racionais,

por não querer perder o estilo.

Oferece-se um coração vadio,

sem raça, sem pedigree.

Um simples coração humano.

Um impulsivo membro de comportamento

até meio ultrapassado.

Um modelo cheio de defeitos que,

mesmo estando fora do mercado,

faz questão de não se modernizar,

mas vez por outra,

constrange o corpo que o domina.

Um velho coração que convence

seu usuário a publicar seus segredos

e a ter a petulância de se aventurar como poeta

Clarice Lispector





Silêncio ..... Clarice Lispector


É tão vasto o silêncio da noite na montanha.

É tão despovoado. Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo,

pensar depressa para disfarçá-lo. Ou inventar um programa,

frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã.

Silêncio tão grande que o desespero tem pudor.

Os ouvidos se afiam, a cabeça inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor.

Nenhum galo. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio.

Desse silêncio sem lembranças de palavras.

Se és morte, como te alcançar.


É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas.

É terrível - sem nenhum fantasma.

Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo,

de uma cortina que se abra e diga alguma coisa.

Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento.

Vento é ira, ira é a vida. Ou neve. Que é muda mas deixa rastro - tudo embranquece,

as crianças riem, os passos rangem e marcam.

Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas.

Não se pode falar do silêncio como se fala da neve.

Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite?

Quem ouviu não diz.


A noite desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto

justifica o dia.

As crianças de Berna adormecem, fecham-se as últimas portas.

As ruas brilham nas pedras do chão e brilham já vazias.

E afinal apagam-se as luzes as mais distantes.


Mas este primeiro silêncio ainda não é o silêncio.

Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor,

algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.

Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento,

e da terra a lua alta. Então ele, o silêncio, aparece.


O coração bate ao reconhecê-lo.

Pode-se depressa pensar no dia que passou.

Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam.

Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior,

o da amizade perdida, é apenas fuga.



Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta - como ardemos por ser chamados

a responder - cedo se descobre que de ti ele nada exige,

talvez apenas o teu silêncio.

Quantas horas se perdem na escuridão supondo que o silêncio te julga - como esperamos em

vão por ser julgados pelo Deus.

Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas,

humildes desculpas até a indignidade.

Tão suave é para os er humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a

justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença.


Até que se descobre - nem a sua indignidade ele quer. Ele é o silêncio.

Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro de cabeceira cair no chão.

Mas, horror - o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste.

E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil.

O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio.


Então, se há coragem, não se luta mais.

Entra-se nele, vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite em Berna.

Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele,

só ele próprio. Será como se estivéssimos num navio tão descomunalmente enorme que

ignorássemos estar num navio.

e este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo.


Mais do que isso um homem não pode.

Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar.

Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso.

O coração tem que se apresentar diante do nada sozinho e sozinho bater alto nas trevas.

Só se sente nos ouvidos o próprio coração.

Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão.

Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio.


Se não há coragem, que não se entre. que se espere o resto da escuridão diante do silêncio,

só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós.

Que se espere. Um insolúvel pelo outro.

Um ao lado do outro, duas coisas que não se vêem na escuridão.

Que se espere. Não o fim do silêncio, mas o auxílio bendito de um terceiro elemento,

a luz da aurora.

Depois nunca mais se esquece. Inútil até fugir para outra cidade.

Pois quando menos se espera pode-se reconhecê-lo - de repente.

Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros.

Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita.

Às vezes no próprio coração da palavra.

Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia - ei-lo.

E dessa vez ele é fantasma.



Sonhe com os anjos ...



Queria poder embalar cada sonho seu

E misturar junto com o meu

Queria ser motivo para você sorrir

E nunca mais pensar em me deixar partir


Queria impedir alguém de um dia te ferir

E para sempre em você eu existir

Mas eu sei que não adianta pedir a Deus

Quando tudo acaba só nos resta dizer adeus


Cada um faz a sua própria história

E todas lições erradas ou certas da nossa trajetória

Ficam lá para sempre guardadas na memória

Tudo que vivemos na vida existe

Seja uma fase feia ou bonita, feliz ou triste.


Faço das palavras a minha fé

Que formam frases de uma prece

Para que eu possa nadar até onde não dê mais pé

Que eu seja a lembrança de quem um dia esquece

Para que eu saiba o que pode ser e o que realmente é

E quando eu perceber que nessa rua não tem saída

Eu volte de marcha ré.


Dorme e te protege do frio

Que eu agora sento na beira do meu rio

Descansa na tua cama quente

Enquanto eu penso na gente


Eu canto para você dormir

E dormindo chego a te ver sorrir

De olhos fechados você parece me ver

Minhas lágrimas já não são mais pelo sofrer


Meu pensamento parece voar

De encontro ao teu

Toda vez que vou me deitar

Quero apenas dormir

Para contigo sonhar

E quem sabe até voar pelo céu

Sim, quero nadar pelo mar.

Flutuar com leveza pelo ar

Perder-me dentro do teu olhar


Vou preparar um lindo sonho para o seu coração

Onde tudo será imortal

E que nada acabe no final

Uma bela e sincera canção

Repleta de sinos, pianos e banjos.

Para que você adormeça

E não se esqueça

Das minhas palavras

Sonhe com os anjos.