sábado, 28 de janeiro de 2012

Contos do Oriente - Miscelânia

Viver como as flores

Era uma vez um jovem que caminhava ao lado do seu mestre. Ele perguntou:
- Mestre, como faço para não me aborrecer? Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes. Algumas são indiferentes, outras mentirosas... sofro com as que caluniam...
- Pois viva como as flores! - advertiu o mestre.
- Como é viver como as flores? - perguntou o discípulo.
- Repare nestas flores - continuou o mestre - apontando lírios que cresciam no jardim. Elas nascem no esterco, entretanto são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas...
É justo angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros nos importunem. Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento. Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora... Não se deixe contaminar por tudo aquilo que o rodeia... Assim, você estará vivendo como as flores!

Oásis

Conta uma popular lenda do Oriente Próximo, que um jovem chegou à beira de um oásis junto a um povoado e, aproximando-se de um velho, perguntou-lhe:
- Que tipo de pessoa vive neste lugar ?
- Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem ? - perguntou por sua vez o ancião.
- Oh, um grupo de egoístas e malvados - replicou o rapaz - estou satisfeito de haver saído de lá.
- A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui –replicou o velho.
No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe:
- Que tipo de pessoa vive por aqui?
O velho respondeu com a mesma pergunta: - Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?
O rapaz respondeu: - Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las.
- O mesmo encontrará por aqui - respondeu o ancião.
Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho:
- Como é possível dar respostas tão diferente à mesma pergunta?
Ao que o velho respondeu :
- Cada um carrega no seu coração o meio ambiente em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui, porque, na verdade, a nossa atitude mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter controle absoluto.

Defeito ou qualidade?

Todos os dias um empregado ia a uma fonte buscar água para a casa. Levava uma vara ao pescoço com dois grandes potes, um de cada lado. Um dos potes tinha uma racha e pelo caminho perdia metade da água. Um dia o pote falou com o homem:
- Estou envergonhado, quero pedir-te desculpas.
- Por quê? Do que estás envergonhado?
- Por causa desta racha apenas consigo entregar metade da minha carga. Tu andas de um lado para o outro e os teus esforços não são compensados.
O homem falou:
- Quando retornarmos para a casa do meu senhor, quero que percebas as flores ao longo do caminho.
- Já notaste que no teu lado do caminho há muitas flores? E só há flores do teu lado. Cada dia que voltamos do poço, com a água que perdes regas as flores. Eu colho essas flores para ornamentar a mesa do meu senhor. Se não fosses como és, ele não poderia ter essas belezas para dar graça à sua casa.

Milagre Autêntico

Um homem apresentou-se a um mestre e lhe disse:
- Meu anterior mestre faleceu. Ele era um homem santo capaz de realizar muitos milagres. Que milagres es tu capaz de realizar?
- Eu quando como, como; quando durmo, durmo - respondeu o mestre.
- Mas isso não é nenhum milagre, eu também como e durmo.
- Não. Quando tu comes, pensas em mil coisas; quando dorme, fantasias e sonhas. Eu somente como e durmo. Isto é um milagre.

Talvez ...

Um homem possuía um belo cavalo. Certo dia, o cavalo desapareceu e seus vizinhos sabendo da notícia, exclamaram:
- Que azar!
Mas o homem simplesmente respondeu:
- Talvez...
Passado algum tempo, o cavalo reapareceu, trazendo consigo três ou quatro cavalos selvagens tão ou ainda mais belos e formosos do que ele. Os vizinhos, tomando conhecimento do fato, disseram:
- Que sorte!
Mas o fazendeiro simplesmente respondeu:
- Talvez...
O filho mais moço do fazendeiro então resolveu domar um dos cavalos mas o cavalo era selvagem e em um movimento brusco arremessou o rapaz ao solo e este ao cair quebrou a perna. E os vizinhos imediatamente se dirigiram ao pai mencionando: - Que azar!
Mas o fazendeiro simplesmente respondeu:
- Talvez...
Estourou uma guerra naquela região e muitos pais sofreram pois quase todos os jovens, querendo ou não, foram injustamente enviados para a guerra, menos um, que foi dispensado por que estava com a perna quebrada: O filho do fazendeiro!

A lenda do monge e do escorpião

Monge e discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora, o bichinho o picou e, devido à dor, o homem deixou-o cair novamente no rio. Foi então a margem tomou um ramo de árvore, adiantou-se outra vez a correr pela margem, entrou no rio, colheu o escorpião e o salvou. Voltou o monge e juntou-se aos discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.
- Mestre, deve estar doendo muito! Por que foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda! Picou a mão que o salvara! Não merecia sua compaixão!
O monge ouviu tranquilamente os comentários e respondeu:
- Ele agiu conforme sua natureza, e eu de acordo com a minha.


De Passagem

Um viajante chegou a uma humilde cabana, onde se dirigiu pedindo água e pousada. Quando chegou foi recebido por um monge que lhe ofereceu acolhimento. Ao reparar na simplicidade da casa e sobretudo na ausência de mobília, curioso indagou:
- Onde estão os teus móveis?
- Onde estão os teus? - devolveu o monge.
- Estou aqui só de passagem - respondeu o andarilho
- Eu também...

Cortar Lenha

Um jovem com grande habilidade e rapidez no corte de lenha, procurou um mestre, o melhor cortador de lenha da região e pediu para ser aceito como seu discípulo a fim de aperfeiçoar seus conhecimentos. O mestre concordou e passou a ensiná-lo. Não se passou muito tempo e o discípulo julgou ser muito melhor que o mestre, desafiando-o para uma competição em público. Tendo o mestre aceito o desafio, tudo foi marcado, preparado e teve início a competição. O jovem trabalhava no corte da lenha sem parar, e, de vez em quando, olhava para conferir como estava o trabalho do mestre.
Para grande surpresa do jovem, o mestre encontrava-se muitas vezes sentado, tendo isto ocorrido durante toda a competição. E isto fortaleceu ainda mais a determinação do jovem, que continuou a cortar a lenha e a pensar
- Coitado, o mestre realmente está muito velho...
Ao término da competição foram medir os resultados, e o mestre havia cortado mais lenha que o discípulo. O jovem indignado disse:
- Não consigo entender, não parei de cortar lenha o dia todo, com toda minha energia, e cada vez que eu olhava o senhor estava descansando!
O mestre respondeu:
- Não meu jovem, eu não apenas descansava. Eu amolava o meu machado. Você, por estar tão empolgado em cortar mais lenha, se esqueceu desse pequeno detalhe. Afiar seu próprio machado! E por isso, sua produtividade caiu e você perdeu!

Ambição

Na China antiga, um eremita meio mágico vivia numa montanha profunda. Um belo dia, um velho amigo foi visitá-lo. Senrin, muito feliz por recebê-lo, ofereceu-lhe um jantar e um abrigo para a noite. Na manha seguinte, antes da partida do amigo, quis ofertar-lhe um presente. Tomou de uma pedra e, com o dedo, converteu-a num bloco de ouro puro. O amigo não ficou satisfeito. Senrin apontou o dedo para uma rocha enorme, que também se transformou em ouro. O amigo, porém, continuava sem sorrir.
- Que queres, então? - indagou Senrin.
Respondeu-lhe o amigo:
- Corta esse dedo, quero-o.

Desapego

Um cidadão fez voto de desapego e pobreza. Dispôs de todos os seus bens e propriedades, reservou para si apenas duas tangas, e saiu Índia afora em busca de todos os sábios, medindo na verdade o desapego de cada um. Levava apenas uma tanga no corpo e outra para troca, sempre necessário.
Estava convencido de não encontrar quem ganhasse de si em despojamento, quando soube de um velho guru, bem ao norte, aos pés do Himalaia. Tomando as direcções, parte ao encontro do velho sábio.
Quando lá chegou, tristeza e decepção! Encontrou terras bem cuidadas, um palácio faustoso, muita riqueza, muita pompa. Indignado, procura pelo guru. Um velho servo lhe diz que ele está em uma ala dos magníficos jardins com seus discípulos, estudando desapego. Como era costume da casa Ter gentileza para com os hóspedes, o servo convida o andarilho para o banho, repouso e refeição, antes de se dirigir à presença do sábio.
Achando tudo muito estranho, o desapegado aceita a sugestão. Toma um bom banho, lava sua tanga usada, coloca-a para secar no quarto e sai em busca do guru. Completamente injuriado, queria contestar e desmascarar aquele que julgava um impostor, pois em sua concepção desapego não combinava com posses. Aproxima-se do grupo, que ouve embevecido as palavras do mestre e fica ruminando um ardil para atacar o guru, quando, correndo feito um doido, chega um dos serviçais gritando:
- Mestre, mestre, o palácio está pegando fogo, um incêndio tomou conta de tudo. O senhor está perdendo uma fortuna! O sábio, impassível, continua sua prédica. O desapegado viajante das duas tangas dá um salto e sai em desabalada carreira, gritando:
- Minha tanga, minha tanga, o fogo está destruindo minha tanga...

Perguntas vãs

Um discípulo confuso via que muitas perguntas golpeavam sua mente. Um dia decidiu perguntar a seu mestre sobre a que mais lhe atormentava:
- Mestre, como saberei quando estou realmente no caminho da libertação interior?
- Saberás que estás na senda da libertação interior quando já não faças esse tipo de perguntas - respondeu o mestre.

Atire a vaca no precipício

Quando o Mestre e discípulo peregrinavam por distantes pastagens, certa vez foram acolhidos por uma família pobre, muito simpática mas que vivia em condições de miséria. Embora fossem boas pessoas, seus recursos materiais eram muito limitados. Sustentavam-se graças à sua uma vaca magricela que fornecia o leite para se alimentarem e o pouco que sobrava vendiam para ganhar uns trocos. Na hora da despedida, o discípulo com pena daquelas pessoas perguntou ao mestre se não podiam fazer nada por eles. O Mestre em sua sabedoria disse:
- Atire a vaca pelo precipício.
- Mas Mestre ...
- Atire a vaca no precipício ou suma com ela! - disse o Mestre.
O discípulo, sem compreender a intenção do Mestre cumpriu seus desígnios ainda que muito contrariado. E assim a família ficou sem a vaca.
Os anos se passaram e o discípulo, cheio de remorsos pelo que fizera, não voltou a ter paz. Para se redimir e pedir perdão à família resolveu voltar àquela região. Mas para seu espanto não conseguiu reconhecer a região. Onde antes havia uma região árida, encontrou terras cultivadas. Próximo de onde era o casebre encontrou um palacete. Angustiado supôs que a família fora obrigada a vender a casa e o terreno, pois já não tinham a vaca para sobreviver. Aproximou-se da bela casa e encontrou seus proprietários na piscina, divertindo-se. Para seu espanto verificou que estas eram as mesmas pessoas que antes encontrara, agora com aparência mais saudável e feliz. Sem entender nada, o discípulo perguntou que milagre tinha ocorrido naquele lugar. Com um sorriso no rosto o pai respondeu:
- Milagre, nada! Um dia nossa vaca desapareceu. Tivemos de procurar um novo meio de subsistência. Trabalhámos muito e procurámos formas alternativas. Ao longo dos tempos fomos prosperando.
Então o Discípulo compreendeu a sabedoria do Mestre.


Modo correcto

Um Monge de grande devoção e instruído, atravessava uma vez um rio em um barco quando ao passar ao lado de uma pequena ilhota, ouviu uma voz de um homem que muito torpemente tentava elevar suas preces. No interior do monge não pode mais que entristecer-se.
- Como era possível que alguém fora capaz de entoar tão mal aqueles mantras? Talvez aquele homem ignorava que os mantras deviam ser recitados com entonação adequada, com ritmo e musicalidade precisas, com pronuncia perfeita.
Decidiu então ser generoso e desviando-se de seu rumo aproximou-se a ilhota para instruir aquele homem sobre a importância da correcta execução dos mantras. Não era em vão que se considerava um frande especialista e aqueles mantras não tinham para ele qualquer segredo. Quando desembarcou a ilhota, pode ver um pobre homem de aspecto sossegado cantando alguns mantras um pouco sem acerto. O monge, com serena paciência, dedicou algumas horas a instruir minuciosamente a aquele indivíduo que a cada momento mostrava efusivas mostras de agradecimento a seu instrutor. Quando entendeu que por fim aquele sujeito poderia recitar os mantras com certa capacidade despediu-se dele, advertindo-lhe:
- E lembre-se meu bom amigo, é tal a potência de estes mantras que sua correcta pronuncia permite que um homem seja capaz de caminhar sobre as aguas.
Mas apenas havia percorrido alguns metros com seu barco, ouviu a voz daquele homem a recitar os mantras ainda pior que antes.
- Que horror. Há pessoas que são incapazes de aprender nada de nada, assim pensou o monge.
- Hey, monge - escutou atrás de si uma voz muito perto.
Ao voltar-se viu ao pobre homem que, caminhando sobre a as águas, aproximava-se de seu barco e perguntava:
- Nobre monge, já esqueci-me tua instruções sobre o modo correcto de recitar os mantras. Serias, tão amável de repeti-lo novamente?

A Divindade dos Homens

Houve um tempo em que todos os homens eram deuses. Mas eles abusaram tanto de sua divindade que Brahma, o mestre dos deuses, tomou a decisão de lhes retirar o poder divino. Resolveu então escondê-lo em um lugar onde seria absolutamente impossível reencontrá-lo. O grande problema era encontrar um esconderijo. Brahma convocou um conselho dos deuses menores, para juntos resolverem o problema.
- Enterremos a divindade do homem na terra, foi a primeira ideia dos deuses.
- Não, isso não basta, pois o homem vai cavar e encontrá-la.
Então os deuses retrucaram:
- Joguemos a divindade no fundo dos oceanos.
Mas Brahma não aceitou a proposta, pois achou que o homem, um dia iria explorar as profundezas dos mares e a recuperaria. Então os deuses concluíram:
- Não sabemos onde escondê-la, pois não existe na terra ou no mar lugar que o homem não possa alcançar um dia.
Brahma então se pronunciou:
- Eis o que vamos fazer com a divindade do homem: vamos escondê-la nas profundezas dele mesmo, pois será o único lugar onde ele jamais pensará em procurá-la.
Desde esse tempo, conclui a lenda, o homem deu a volta na terra, explorou escalou, mergulhou e cavou, em busca de algo que se encontra nele mesmo.

Sons Inaudíveis

Um rei mandou seu filho estudar no templo de um grande Mestre, com o objectivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa. Quando o príncipe chegou ao templo, o Mestre o mandou sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa de descrever todos os sons da floresta. Quando o príncipe retornou ao templo, após um ano, o Mestre lhe pediu para descrever todos os sons que conseguira ouvir. Então disse o príncipe:
- Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas, o barulho do vento cortando os céus...
E ao terminar o seu relato, o Mestre pediu que o príncipe retornasse à floresta, para ouvir tudo o mais que fosse possível. Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu a ordem do Mestre, pensando:
- Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta...
Por dias e noites ficou sozinho ouvindo, ouvindo, ouvindo... mas não conseguiu distinguir nada de novo além daquilo que havia dito ao Mestre. Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E quanto mais prestava atenção, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou:
- Esses devem ser os sons que o Mestre queria que eu ouvisse...
E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo, pacientemente. Queria Ter certeza de que estava no caminho certo. Quando retornou ao templo, o Mestre lhe perguntou o que mais conseguira ouvir.
Paciente e respeitosamente o príncipe disse:
- Mestre, quando prestei atenção pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da noite...
O Mestre sorrindo, acenou com a cabeça em sinal de aprovação, e disse:
- Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande pessoa. Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, seus sentimentos mudos, seus medos não confessados e suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor; entender o que está errado e atender às reais necessidades de cada um."

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