sábado, 7 de agosto de 2010

A ZEROPÈIA

Ia uma centopéia com suas cem patinhas pelo caminho quando topou com uma barata. Vendo tantas patinhas num bicho só, a barata ficou boquiaberta:
- Mas dona centopéia, para que tantas patinhas? A senhora precisa mesmo delas? Olha, eu tenho só seis e são mais que suficientes! Posso fazer tudo, correr, trepar nas paredes, me esconder nos buracos. Ninguém consegue me acertar na primeira nem na segunda chinelada!
- É - respondeu a centopéia -, eu não havia pensado nisso! E olha que tenho essas cem patinhas desde que nasci, cinqüenta de um lado e cinqüenta de outro…
- Como a senhora faz quando tem uma coceira? - perguntou a barata. - Já imaginou o trabalhão, coçando daqui e dali, sem parar? Deve ser um inferno ter tantas patinhas! Por que a senhora não amarra noventa e quatro e fica com seis como eu? Vai ficar muito mais fácil e a senhora vai inclusive correr muito mais, como eu.
A centopéia nem pensou e amarrou noventa e quatro patinhas. Doeu um pouco com todos aqueles nós, mas era necessário, e continuou a andar.
Lá na frente se encontrou com um boi. Quando o boi viu a centopéia andando com seis patas, ficou intrigado:
- Dona centopéia, por que seis patas? Para que tantas? Olhe, eu só tenho quatro e faço o que quero! Corro, participo de touradas, pulo cerca quando quero, sou forte e todo mundo me admira! Por que a senhora não amarra mais duas e fica com quatro? Vai ficar mais ágil e vai correr tanto quanto eu…
A centopéia amarrou mais duas patinhas. Doeu um pouco, já estava quase dando câimbra, mas era necessário, e continuou a andar.
Lá mais na frente, já andando com certa dificuldade, a centopéia se encontrou com o macaco.
Quando o macaco viu a centopéia andando com quatro patas, ficou curioso. Olhou bem, contou e recontou, e não se conteve:
- Mas dona centopéia, por que tanta pata se a senhora pode andar com apenas duas, como eu? Veja como eu faço: pulo de galho em galho, corro, ninguém me pega aqui nesta floresta. Por que a senhora não amarra mais duas patinhas e fica que nem eu?
A centopéia nem pensou, e amarrou mais duas patinhas. Agora só tinha duas patas livres, poderia viver em paz, como a maioria dos bichos da floresta, e se parecia até com as pessoas, podia até pensar em ter nome de gente, como Maria ou Florinda. E continuou a andar, com dificuldade, mas tranqüila. Havia seguido todos conselhos que recebera pelo caminho.
Velhos tempos aqueles em que tinha cem patinhas livres! Quanto trabalho à toa! E continuou a andar. Mas lá na volta do caminho, de repente, viu a dona cobra! A centopéia sentiu um friozinho na barriga.
- Ih! - pensou ela - a dona cobra nem patas têm!
Não deu outra. Quando a cobra viu a centopéia com suas duas patinhas, foi logo parando e dizendo:
- Por que andar com essas duas patas num corpo tão comprido e desajeitado? Será que você não sente que está ridícula andando só com duas patas? E, afinal de contas, para que patas para andar? Não vê como eu corro, escapo, ataco, meto medo, serpenteio, subo em árvores e até nado sem patas? Por que não completa a obra e amarra tudo de uma vez?
- A centopéia, então, amarrou as suas últimas patinhas, pensando que podia ser que
nem a cobra. E não podia. Ali mesmo ficou parada pedindo socorro e gritando por todos os bichos da floresta:
- Ei, dona barata, seu boi, seu macaco, dona cobra! Venham me ajudar! Não consigo mais andar!
Eu, que tinha cem patinhas, deixei de ser uma centopéia e acabei virando uma zeropéia!
A turma da floresta, para consertar a situação, teve então uma idéia, a de fazer um carrinho bem comprido para a centopéia poder se locomover. A centopéia ia virar a primeira zeropéia motorizada da floresta!
- Mas como é que eu vou dirigir esse carro, se eu não tenho mais patinhas?
Foi um drama! Os bichos foram logo discutindo:
- A barata dirige, pois foi ela que mandou amarrar noventa e quatro patinhas de uma vez!
- Não, não, não! Dirige o boi, que mandou amarrar mais duas patas.
- Melhor o macaco, que mandou amarrar mais duas.
- Negativo! Dirige a cobra, que mandou amarrar tudo.
Até que a centopéia se deu conta, pensou bem pensado e disse para todo mundo:
- É, gente, a culpa é minha! Eu não devia ter escutado essa conversa fiada de amarrar patinhas! Eu não sou barata, não sou boi, não sou macaco nem cobra; eu sou é eu mesma, uma centopéia que quase virou uma zeropéia.
A centopéia agradeceu o carrinho, mas mandou a bicharada desamarrar todas as suas patinhas.

E decidiu que o mais importante era ser ela mesma e ter suas próprias idéias na cabeça


Herbert de Souza

Um comentário:

  1. Adoro esta história!!!Tem uma ideia legal que fiz com ela aqui ó https://www.facebook.com/photo.php?fbid=365516640223604&set=a.365317306910204.1073741825.100002958125724&type=3&theater

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