sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O CAMINHO

De Roque Jacintho
Tema: Caridade Material e Caridade Moral

No meio da floresta, Chim, o coelho, vivia suspirando. Lera em algumas páginas do livro que o Senhor Vento lhe trouxera à porta da casa, noticias de mundos venturosos. Ficara sabendo, desde então, que existem lugares alem de sua terra natal, onde os habitantes eram limpos, muito limpos e, com isso, passara a notar o pó e a lama que o recobriam. Ainda mais abismado ficará ao inteirar-se de que, naqueles mundos, os seres não precisavam andar sobre os pés. E nem se arrastar morosamente como os répteis. Dispunham de outros meios de locomoção. Tudo também era fartura. Foi então que começou a suspirar.

Guardava dentro do coração, o desejo de tornar-se semelhante àqueles seres e, como faltassem algumas páginas do volume em que se instruía porque o Senhor Vento as distribuíra em outros locais, ignorava o CAMINHO que poderia conduzi-lo até lá. Perguntou sobre o caminho a um e outro de seus companheiros, julgando que alguns poderiam Ter lido as páginas que faltavam. O sapinho saltitante não sabia de nada e nem estava interessado em saber.

A senhora Lesma indignada protestou:

_ È impossível existir esse mundo.

Mas eu li - afirmou Chim.

São carambolices de escritores. O papel aceita tudo e muito me admira vê-lo tão confiante. Alem disso, de que modo eu, poderia movimentar-me lá. Se lá ninguém se arrasta?

Chim coçou a cabeça, desconhecendo a resposta. O certo é viver minha vidinha, disse a senhora Lesma, dando por finalizada a entrevista. Fora dito aqui, nada existe.

E o nosso coelho seguiu estrada afora, em busca de seu amigo Dr. Chipanzé. O caminho para a casa do Dr. era longo, Tinha que atravessar uma trilha longa e cheia de curvas. Mas Chim não desanimava, porque queria muito saber o CAMINHO para os mundos felizes. Tinha certeza que o sabido Chipanzé saberia ensinar, pois era uma criatura cheia de conhecimentos.

Finalmente chegou. Após os cumprimentos formais e as indagações do coelho, disse o Dr. Chipanzé, muito imponente com seu monóculo, Se houvesse alguma coisa além, estaria aqui nos meus alfarrábios. Mostrando sua biblioteca, e falou: Todas as coisas reais do mundo estão aqui E fora destas afirmações dos grandes sábios, nada mais existe. Mas eu li, afirmou Chim convicto. O Dr. Fez-se de médico e mandou.

Abra a boca!

Chim abriu.

Hum... você está com a garganta inflamada, e isso deve perturba-lo. Olhou bem para o coelho e tornou a mandar.

Cruze as pernas.

Chim obedeceu.

Seus reflexos....- murmurou o Dr. Batendo na rótula, você está excitado!

O que quer dizer Dr. Isso tudo quer dizer que você está doente. E doentes daqueles que tem alucinações, sonhando com mundos que não existem.

Estou doente mesmo?

I-NE-VI-TA-VEL-MEN-TE. Sofre uma crise de sonharias!

Mas não se preocupe! Algumas consultas que lhe faça e estas pílulas... Tome e seu estado será resolvido.

Muito desolado saiu Chim.

O coelho voltava para casa, com a receita do Dr. Chipanzé no bolso, quando cruzou com o Velho Hipopótamo, que tremia muito, com sua bengalinha na mão. Imediatamente Chim fez-lhe a pergunta sobre o CAMINHO Ah! Meu filho, respondeu tremendo o Velho Hipopótamo.

Arrumando os óculos. Depois que a dona idade me fez o que fez, tenho pensado muito nesse mundo feliz.
Então não sou eu só a pensar?

Longe disso meu filho.... A dona Idade apresentou-me outro dia um senhor muito sisudo, chamado JUISO me falou desse mundo.

E ensinou o CAMINHO?

Deixe-me ver....HUMMM....Sabe Chim, ando com a memória um tanto fraca, além disso tremo tanto que algumas idéias me caem fora da cabeça....A!.... Lembrei-me.....Quando perguntei, qual o segredo para chegar ao mundo feliz, o Senhor Juízo me disse que as crianças poderiam ensinar-me a direção bem certa.

Despediram-se após as informações.

Chim reanimado, correu até o jardim da infância.

Claro que sei afirmou o pequeno Sagüi inquieto e saltitante dentro de sua roupinha de retalhos, mas tenho que ir brincar com meus coleguinhas. Diga-me sagui onde o caminho para os mundos felizes.

Sagui pensou, pensou, e disse: Sua mãe não lhe ensinou a fazer orações?

Sim afirmou prontamente o coelho ficando vermelho e confessando: Mas esqueci. Fale então primeiro com Dona Memória Ela trará para você a Oração Esquecida, e, na companhia de Oração esquecida, você verá que acaba vindo algum gênio desse mundo feliz. Ele mesmo ensinará o caminho certo.

Chim seguiu fielmente a intrusão do pequeno Sagui. Dona memória trouxe sua companheira, a oração esquecida. Uma luz se formou a frente de Chim.

Desta luz surgiu um espírito iluminado muito belo e resplandecente.

Você me chamou Chim? O coelho estava engasgado e receoso. Não temas, sou apenas um daqueles que habitam os mundos felizes do Universo, com os quais você sonha. Estive inclusive, a acompanha-lo durante o dia.

Seguiu-me?

Segui-o e inspire-o em sua busca.

Viu as pílulas que o Dr. Chipanzé me receitou?

Vi, - Nosso mundo, por enquanto, está alem da ciência dele. Não que algo façamos para separar-nos. Acontece que na companhia do Bichinho do Orgulho, o Dr. Chipanzé há de seguir morosamente. Só no futuro, ele compreenderá que você não estava sofrendo de sonharite aguda, mas que despertava para os anseios de libertar-se de seus próprios enganos.


Qual o caminho, para chegar até vocês?

A CARIDADE! È o único CAMINHO que nos leva na direção do infinito.

CARIDADE?

Sim, ser bom, fraterno, amigo, socorrendo a todos.

Já um grande missionário que veio em visita a Terra, destinado a ensinar disse: FORA DA CARIDADE NÂO HÀ SALVAÇÂO.
Se esse é o CAMINHO, serei caridoso.

Ótimo! Voltarei para vê-lo, depois que você se puser a trabalhar, porque CARIDADE jamais será simples promessa ou mero desejo. Deverá ser realização imediata, para que seja mais fácil e compreensivo nosso entendimento. Sem dizer mais nada, o espírito desmaterializou-se.

Chim deitou-se, resolvido a ser caridoso. Mostrava nova disposição, e para ser grato, fez uma oração ao Pai Celestial, rogando inspiração para o seu novo propósito dentro da vida.

No dia seguinte, Chim passou para o serviço. Armou um grande seleiro, onde armazenaria cenouras em grande quantidade para depois, distribui-las aos viandantes famintos. Com isso pensava com seus botões, estaria extremamente caridoso. Para com todos.

Terminada a construção, movimentou-se para abastece-la.

Dirigiu-se então a casa do Sr. Leão. Lá expôs o seu programa de assistência e recebeu autorização para, no quintal colher quanta cenoura houvesse. Porém, falou o dono da casa zeloso, Não me pise uma só plantinha!

Chim garantiu que seria cuidadoso. Ao penetrar nos campos cultivados, porém, não conseguiu evitar pisotear algumas plantas mais tenras. E com o incidente, o Leão saltou sobre ele, aos gritos e ameaças.

Chim foi atirado a rua com cenoura e tudo. Revoltado com o tratamento, o coelho gritou contra a brutalidade do seu enraivecido hospedeiro e, censurando a sua ferocidade, rumou para o celeiro com as primeiras cenouras.

No dia seguinte, bateu à porta de Dona Onça.

Ora, ora, disse a onça, após ouvi-lo. Cenoura acredito que não tenho. Posso procurar em seu campo? Claro que sim, e se encontrar, leve tudo, Chim. Ele foi realmente. Dona Onça todavia, que era gulosa por coelhos assados, tratou de acender o seu forno e passou a segui-lo sorrateiramente.


Emboscava-se atras das arvores, ensaiando botes, enquanto Chim procurava as cenouras. Sem nada encontrar, ele subiu em uma pequena arvore. Lá de cima veria todo o campo, Tão entretido estava no galho em que fazia de seu mirante, que não percebeu Dona Onça, subindo mansamente, traiçoeiramente, e mal viu quando ela saltou para apanha-lo. O galho, contudo era fraco e ambos caíram

Chim correndo e gritando, fugiu com algumas poucas cenouras, jurando que nunca mais pisaria na casa de alguém tão vil e tão falso, qual a dona Onça.

Agora, visitaria Dona Sucuri. Ao sair de casa porem, já meio atrasado, escorregou numa casca de banana e, com o impulso, foi atirado dentro de um taxo de sabão que estava esfriando. Chim ficou aborrecido com o incidente. Resmungou, resmungou, mas como estava decidido a completar o celeiro em pouco tempo, não se deteve em limpar-se e, assim, cheirando a sabão, chegou à furna de Dona Sucuri.

Posso entrar? Perguntou da porta.

Pode queridinho! Animou Dona Sucuri, reconhecendo a voz de Chim e pensando que entrar ele podia, mas sair é que seria difícil, já que corriam mais de vinte dias que Dona Sucuri não ingeria nada tão delicioso quanto a carne tenra de um coelho. Pode entrar queridinho! Ele agradeceu e falou de seu plano de assistência.

Que maravilha! Fingiu Dona Sucuri, Adivinhei os seus planos Chim. Tanto é verdade que, no fundo desta minha furna, estou com um mundo de cenouras.

Que bom! Aplaudiu Chim.

Dona Sucuri sorria.

Vá ate lá e carregue quanto puder. Efetivamente Chim encontrou as cenouras. Encheu duas sacolas, a mais não poder, e já as punha as costas, vergando sobe seu peso, fazendo mil agradecimentos, quando Dona Sucuri sempre sorrindo o chamando de queridinho, o enlaçou pela cintura.

Ei, o que é isto? Protestou Chim esperneando. Vou ajuda-lo! E sorrindo sempre, ela fechou o laço em torno do pobre coelho.
Vou ajuda-lo e...abocanha-lo também, seu grande tolo1 Quando dona Sucuri apertou mais o laço... zupt... Chim escorregou fora, porque estava todo liso de sabão. E disparou para longe da furna.

Hipócrita, danada! Ele gritava enquanto fugia.

O celeiro estava quase repleto de cenouras. Procurou, então, Dona Raposa e foi encontra-la acamada.

Ah! Chim....gemia Dona Raposa. Tive uma indigestão violenta.... Comi alguns ovos e cá estou marcada a pauladas, porque o "seu" Zico me apanhou com a boca na botija!

Chim falou de imediato de seu plano de assistêncial!

Você bem vê que eu não sou rica! Desculpou-se a doente. O que tenho, mal dá para meu sustento.

Falta uma apenas...suplicou Chim humildemente.

Não que eu seja miserável, Chim saiu-se ela jeitosamente, mas se não pensar no meu futuro, quem acaba pobre sou eu. E, afinal, preciso de muita energia, porque não são brincadeiras entrar no galinheiro de "seu" Zico.

Chim continuou insistindo e começou a maldizer a usura.

Dona Raposa, por outro lado justificava-se sempre.

Nunca encontrei ninguém, mais sovina, Dona Raposa.

Dito isto, o coelho retirou-se, fazendo bater a porta. Na entrada, porém, encontrou uma cenoura perdida à margem do caminho, esquecida por todos e, muito feliz com o achado, saiu correndo para completar o seu celeiro.


Chim deitou-se, naquela noite, muito risonho. No dia seguinte iniciaria o seu serviço de caridade. O senhor vento, veio bater na sua janela, com muita força, avisando que o céu está nublado! Vai chover! Vai chover! Começaram a cair relâmpagos na floresta. Chim agasalhou-se, e correu a trancar o celeiro para salvar as cenouras da chuva forte.

A Dona Enchente vem vindo! Salve-se quem puder! Chim tremendo, ficou a escorar a porta do celeiro.

Ai Dona Enchente fez-se valentona. Arrombou a porta, e carregou todas as cenouras, destruindo o seu plano de CARIDADE e até derrubou o celeiro que chim construíra com tanto carinho.

Ele ficou desolado. Olhava, muito aborrecido, Dona enchente carregar as suas provisões crendo que se veria impedido de alcançar o MUNDO FELIZ, deixava que o desanimo fizesse ninho em seu coração.

Chim estava triste ainda, quando Dona Memória e Dona Oração Esquecida vieram anima-lo. Vamos todos juntos atrair o bom espírito que ensinou ser a CARIDADE o caminho para o mundo feliz.

Realmente assim aconteceu.

O espírito se fez presente.

Chim muito afoito, nem esperou a saudação e falou.

Fiz tudo para iniciar a CARIDADE. Construi celeiro, visitei doadores e juntei cenouras! Umas das que estavam armazenadas, apodreceram as que restaram, veio Dona Enchente e as carregou.

O espírito ouvia pacientemente.

Por isso, fui impedido de realizar os meus planos. Não tive tempo e nem terei outras oportunidades.

Chim, ponderou o espírito amigo. È louvável que procuremos alimentar os que têm fome. Esse é um passo em direção a CARIDADE. Não há dúvida1 Mas se caridade fosse somente isso, que seria dos pobres, aos quais faltassem recursos para doar aos semelhantes?

Acredita que eles não tenham o direito de salvar-se?

Ora, mas eu....

Desde o nosso primeiro encontro Chim, repetidas vezes estamos criando oportunidades de você exprimir a caridade. No entanto em nenhuma vez se identificou com os nossos esforços de traze-lo até nós.

O coelho estava encabulado.

Não entendo.... falou sinceramente.

Você não visitou o Sr Leão?

Oh! Sim! Mas ele foi agressivo comigo.

Diante da agressividade, A PACIÊNCIA é a resposta da CARIDADE em ação, Chim. Sê fosse TOLERANTE com o Leão, teria sido caridoso pela primeira vez.

Depois de uma pequena pausa, o espírito indagou: Você não visitou Dona Onça?

Claro! E lembro-me muito bem do bote que a traiçoeira me deu.

Mas diante da traição, você deveria mostrar-se manso e Pacificador, meu caro Chim, porque MANSITUDE E BONDADE, podem transformar.

A Onça traiçoeira em um amigo nosso.

Outra pausa.

Você não visitou Dona Sucuri?

Visitei...mas quase que ela me abocanha!

O seu mergulho no tacho de sabão, explicou o espírito, foi providencia que tomamos a seu favor, se bem que você reclamou "contra a falta de sorte". E se, diante da máscara do falso sentimento, da falsa doçura de Dona sucuri, você se houvesse contido, ela poderia Ter melhorado um pouquinho Chim. Foi a terceira oportunidade de Ter sido CARIDOSO.....

E por último levamos você a casa de Dona Raposa. A velha matreira estava doente de tanto comer ovos da granja de "seu" Zico. Alem de ser companhia indesejável, negou-se terminantemente a colaborar comigo.

A enfermidade de dona Raposa, era um recurso para conserva-la na cama e faze-la refletir. Estava pronta para ouvi-lo meu filho. Quando se mostrou manhosa e irredutível, você deveria ajuda-la. Somente vendo alguém interessar-se por suas dificuldades, é que ela poderia mudar o seu destino.

Chim, que não sabia mais o que falar, acabou dizendo:

Mas se não fosse a Dona Enchente....

O sábio espírito compreendeu e declarou: Sim se não fosse a Dona Enchente, você poderia distribuir as cenouras aos famintos da floresta. Mas devemos agradecer os imprevistos, neles reconhecendo um sinal do Pai a nosso favor, a fim de não nos deter-mos a amealhar laboriosamente apenas os bens materiais, julgando que somente com eles exprimiremos os sentimentos do amor fraternos.

E, muito compenetrado o espírito ponderou: Quando inspiramos a você a idéia de distribuir cenouras, foi para leva-lo a conviver com alguns doadores, que também são grandes necessitados da CARIDADE MORAL.

A favor deles, doadores dos bens materiais, A CARIDADE MORAL, se faria presente por seu intermédio.

Chim, pendeu a cabeça tristemente.

Suspirava tanto por encontrar o CAMINHO.

Nada porem está perdido, disse o espírito, lendo-lhe o pensamento de desanimo. Amanhã a Dona Enchente se terá retirado da floresta e você poderá começar tudo de novo, começando pela casa do Sr Leão.

Chim acendeu os olhos.

Aceitou a sugestão e deitou-se na cama.

Dormiu então, esperançoso e feliz.


FIM.

Nenhum comentário:

Postar um comentário